JUACY DA SILVA*
O chamado foro privilegiado na verdade tem um nome meio complicado “foro por prerrogativa de função” ou pode também se denominado de foro especial, enfim, é uma prerrogativa que os ocupantes de determinadas funções públicas tem para serem investigados, julgados e condenados apenas por tribunais superiores.
No caso, por exemplo, Deputados Federais, Senadores, Ministros, Presidentes da República só podem ser investigados, julgados e condenados pelo Supremo Tribunal Federal enquanto Governadores e desembargadores tem como foro privilegiado o Superior Tribunal de Justiça, enquanto prefeitos, deputados estaduais e outras figuras importantes pelos tribunais de justiça. Conforme levantamento de alguns veículos de comunicação, existem mais de 22 mil autoridades que gozam deste privilégio no Brasil e não são submetidos aos juízes singulares, como se esses não fossem suficientemente capazes ou juridicamente competentes para julgarem figuras públicas.
Resta mencionar que os juízes singulares entram para a carreira de magistratura através de concurso público de títulos e provas enquanto desembargadores e ministros dos tribunais superiores adentram tais instâncias superiores por indicação política e, portanto, muito mais do que os juízes podem ser influenciados por tais critérios quando do julgamento de recursos ou ações relacionadas com autoridades que gozam do privilégio do foro especial.
Seria muita ingenuidade da parte da população imaginar que deputados e senadores, mesmo que pressionados pela opinião pública, venham a aprovar algum dispositivo, no caso Emenda Constitucional, acabando com seus próprios privilégios, já que a morosidade da tramitação de processos nos tribunais superiores, principalmente no STF demora anos ou décadas e neste meio tempo ou a autoridade investigada já não mais ocupa a função que lhe garante o foro privilegiado e ai o processo tem que voltar ao juiz singular, como aconteceu recentemente com o ex-todo poderoso presidente da Câmara dos Deputados que em poucos dias acabou tendo sua prisão decretada pelo juiz Sérgio Moro ou dos ex-governadores do Rio, Sérgio Cabral e Garotinho e de Mato Grosso Silval Barbosa que ao deixarem de ser governadores acabaram presos por ordens de juízes singulares, por suspeitas de corrupção.
Ao longo de décadas pode-se contar nos dedos quantas autoridades no exercício do mandato ou da função que lhe garanta foro especial foram julgadas e condenadas seja pelo STJ ou STF, o que demonstra bem esta questão do privilégio e da impunidade que o acompanha.
Em 2005 foi apresentado na Câmara Federal o projeto de Emenda Constitucional PEC 470 propondo o fim do foro privilegiado e ao longo de mais de uma década mais 12 PECs sob o mesmo assunto foram apensados/juntados ao projeto original e até hoje não foi sequer aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e só Deus sabe quando será ou se será aprovada naquela comissão ou se chegará ao Plenário da Câmara Federal. Tantas são as manobras legislativas com a finalidade e dificultar a tramitação desta matéria, numa demonstração cristalina de que quem tem privilégios não abre mão dos mesmos de forma alguma.
Mais de 200 deputados federais e mais de uma dezena de senadores da República respondem a processos ou são investigados pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal com a “devida” autorização do STF, muitos em mais de uma dezena de processos, mas que possivelmente jamais serão punidos enquanto estiverem no exercício do mandato ou no caso dos ministros do Governo Federal que também são protegidos pela “prerrogativa de função” e estarão acobertados pelo manto do foro privilegiado e da impunidade.
Este número deve aumentar bastante nos próximos meses quando ocorrer o desdobramento das delações premiadas de mais de 70 ex-dirigentes da Odebrecht e muito mais ainda quando outros executivos de diversas outras empreiteiras envolvidas com corrupção em obras públicas federais também forem obrigados a abrirem o bico Na expressão de um Procurador da Lava Jato em Curitiba há poucos dias, haverá um tsunami em Brasília tantos serão as autoridades e parlamentares envolvidos em acusações de corrupção. Todos gozando de foro privilegiado e torcendo para que a impunidade continue.
Outro exemplo da morosidade na tramitação dos processos sob a responsabilidade do STF e da Procuradoria Geral de Justiça é o caso de mais de 40 parlamentares, senadores e deputados federais, que figuram na LISTA NO JANOT como suspeitos de corrupção no âmbito da operação LAVA JATO. Enquanto a força tarefa em Curitiba já investigou e com a autorização do Juiz Sérgio Moro mais de 60 acusados de corrupção, muitos inclusive ex-autoridades que perderam o manto protetor do foro privilegiado já foram presos e vários já foram condenados, esses parlamentares que figuram na LISTA DO JANOT ainda posam de autoridades acima de qualquer suspeitas, afinal com certeza são mais iguais do que os simples mortais, em que pese a Constituição Federal estabelecer que todos são iguais perante a Lei.
Neste caso isto não ocorre, corruptos sem foro privilegiado recebem um tratamento e corruptos sob o manto do foro privilegiado tem certeza de que o crime de colarinho branco compensa e que dificilmente, se conseguirem se manter em cargos ou mandatos que lhes garantem tais privilégios poderão agir aberta ou nos desvãos de nossas instituições para escaparem do que a Lei e a Justiça estabelecem.
Este assunto continua em uma próxima oportunidade.
*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista e colaborador de jornais, sites, blogs e outros veículos de comunicação. Blog professorjuacy.blogspot.com Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo." target="_blank">O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.Twitter@profjuacy
JUACY DA SILVA*
Antes de entrar diretamente neste importante e controvertido assunto para o combate à corrupção e o aperfeiçoamento de nosso regime semidemocrático, gostaria de chamar a atenção dos leitores, eleitores, contribuintes, cidadãos e cidadãs em geral para três estorinhas já bem conhecidas da opinião pública.
A primeira estória é a do lobo e o cordeiro, quando o lobo ao “dialogar” com o cordeiro, querendo devorá-lo, não sem antes demonstrar que o mesmo era o culpado por sujar sua água, apesar de o cordeiro estar a jusante, ou seja, rio abaixo, sendo impossível sujar á agua do lobo este invocou a vida passada do cordeiro e disse que se ele não estava sujando a água, seus pais ou antepassados haviam poluído a água do Rio. Resumindo, independente da racionalidade ou da situação o lobo sempre encontra uma justificativa para comer o cordeiro.
A segunda estorinha é a da raposa e das galinhas. Ao se verem devoradas pelas raposas que agiam impunemente as galinhas se reuniram em assembleia geral e decidiram reforçar a segurança do galinheiro e aí apareceu uma raposa bem esperta e se prontificou a tomar conta do galinheiro para que outras raposas não viessem ameaçar a vida das galinhas. Resultado, as galinhas elegeram tal raposa boazinha e no dia seguinte não havia nenhuma galinha e todas haviam sido comidas pela raposa guardiã e outras que com ela haviam participado da trama.
A outra estorinha é a do vampiro e do banco de sangue. Segue a mesma lógica, como o estoque de sangue estava acabando, os gestores do banco de sangue resolveram escolher um vampiro mor, que era o melhor conhecedor da área, ou seja, de sangue, para modernizar o banco de sangue e assim garantir sangue para quem dele precisasse. Resultado, rapidinho os estoques de sangue acabaram e ,advinha quem bebeu todo o sangue que ainda havia no banco, com certeza o morcegão.
Assim também acontece nas sociedades que são constituídas por classes, castas, estamentos, categorias e grupos de interesse. Geralmente pensamos que em uma democracia e em uma república, o povo, ou seja, os eleitores são a verdadeira fonte do poder e que, principalmente os “nossos” representantes eleitos para os poderes executivo e legislativo, ao pedirem os votos de milhares ou milhões de eleitores ao serem eleitos irão defender os interesses, as aspirações e as necessidades do povo, principalmente das camadas excluídas ou do andar de baixo.
Mesmo que sejam eleitos com o voto do povão e da classe média, ao serem financiados, legal ou ilicitamente com dinheiro oriundo de grupos econômicos, nossos legisladores e governantes costumam abrir as portas de seus gabinetes para representantes desses grupos de interesse e acabam patrocinando e apresentando projetos de leis, que se transformam em leis; medidas provisórias propostas pelo poder executivo e que acabam sendo aprovadas docilmente pelo legislativo, onde estão parlamentares que foram eleitos graças ao “apoio” financeiro desses mesmos grupos de interesse.
Basta ver quem são os verdadeiros donos dos partidos políticos tanto a nível nacional quanto estaduais e municipais e a qual classe, estamento, categoria ou grupo econômico pertencem. Por exemplo no Congresso nacional existem as tais bancadas, a da bala que defende os interesses dos fabricantes e comerciantes, legais ou ilegais, de armas; a ruralista que representa os interesses dos latifundiários e do agronegócio; a dos donos de escolas particulares, as de donos de hospitais particulares e de planos de saúde; a dos donos de ônibus e outros meios de transporte de massa, a dos banqueiros, que representa os interesses do Sistema financeiro privado e que agem como verdadeiros agiotas, a dos empresários que defendem as medidas de interesse do referido setor, tem ainda a bancada da bíblia, mescla de evangélicos e outros grupos conservadores.
A atuação dessas bancadas mais se parece com verdadeiros despachantes de luxo, abrindo as portas do poder executivo e as vezes tentando até interferir nas decisões do poder judiciário e de vez em quando propondo medidas ou votando algumas matérias que são verdadeiras migalhas em relação ao que é destinado ao povão. Por exemplo, a bolsa empresário, via juros subsidiados, renúncia fiscal e vistas grossas ou conivência com grandes sonegadores, é dezenas de vezes o total dos recursos destinados ao bolsa família ou outras políticas assistencialistas ou compensatórias.
Este é o contexto em que surgiu e ainda se mantem esta excrecência jurídica, política e institucional tanto no Brasil quanto em alguns países que teimam em ignorar os interesses da sociedade e as bases da cidadania. Em um próximo artigo analisarei alguns aspectos desta matéria que há décadas está na “ordem do dia” ou na agenda política nacional e continua como um manto protetor para corruptos de alta envergadura e quão difícil tem sido para o Congresso Nacional acabar com esta vergonha que é o foro por prerrogativa de função, a verdadeira base para que a impunidade dos crimes de colarinho branco continue em nosso país.
*JUACY DA SILVA, professor universitário, titular e aposentado UFMT, mestre em sociologia, articulista, colaborador de jornais, sites, blogs e outros veículos de comunicação. Email O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. Blog www.professorjuacy.blogspot.com Twitter@profjuacy